Nesta quinta-feira (12/1), o ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou o retorno, por meio da Medida Provisória N.° 1.160/2023, do voto de qualidade para a Fazenda Pública, nos casos de empate em julgamentos realizados no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Desde 2020, o empate era pró-contribuinte.
O presidente da Unafisco Nacional, Auditor Fiscal Mauro Silva, ressaltou a forte contribuição da entidade para que esse momento acontecesse. “Nos últimos dois meses, atuamos intensamente junto aos integrantes do governo de transição, a fim de alertá-los sobre a importância do retorno do voto de qualidade da Fazenda no Carf. Explicamos que a volta beneficiará a sociedade brasileira como um todo, pois créditos tributários deixarão de ser perdidos. Também é uma vitória para os Auditores Fiscais, cujo trabalho não se perderá.”
Distorções no Carf. Durante o anúncio, o ministro Haddad disse que o retorno do voto de qualidade corrige uma das distorções do Carf e aproxima o País das boas práticas internacionais. Segundo ele, o Brasil é o único país no mundo onde o empate nos julgamentos do contencioso administrativo favorece os contribuintes.
O ministro destacou outra distorção que ocorre no Carf. Em caso de derrota, a Fazenda Nacional não pode recorrer ao Judiciário. Já ao contribuinte é assegurado esse direito. Haddad criticou ainda o fato de o País ser um dos poucos a ter paridade no colegiado responsável por julgar, em segunda instância administrativa, os litígios em matéria tributária e aduaneira. Ou seja, o número de conselheiros representantes da Fazenda Nacional é igual ao dos que representam os contribuintes.
De acordo com o ministro, em decorrência do fim do voto de qualidade da Fazenda, o valor total dos processos represados no Carf saltou de R$ 600 bilhões para mais de R$ 1 trilhão. “O Estado tem um prejuízo anual de aproximadamente R$ 60 bilhões com a situação atual.” Haddad informou que o governo estima que serão arrecadados R$ 50 bilhões por ano com o desempate pró-Fazenda.
O ministro disse ainda que o Tribunal de Contas da União (TCU) manifestou, em acórdão, que o empate pró-contribuinte nos julgamentos do Carf poderia ensejar grave corrupção.
Articulação da Unafisco. A articulação política da Unafisco Nacional com integrantes do governo eleito foi de extrema importância para a decisão anunciada pelo ministro Haddad. Os problemas ocasionados pelo fim do voto de qualidade no Carf, como o desestímulo à transação tributária e aumento da sonegação, foram amplamente expostos pela Unafisco à equipe de transição, assim que o grupo foi estruturado.
Em 18/11, Mauro Silva e o 1° vice-presidente da Unafisco, Auditor Fiscal Kleber Cabral, reuniram-se com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, que coordenava os trabalhos da equipe. O encontro contou com a presença de Márcio França, que, na época, também integrava a transição e, atualmente, é ministro de Portos e Aeroportos.
Durante a reunião, os diretores da Unafisco explicaram o funcionamento do Carf e colocaram Geraldo Alckmin e Márcio França a par da importância do retorno do voto de qualidade. Eles também entregaram a denúncia feita pela entidade à OCDE. O documento mostra, entre outros pontos, que a tomada do órgão administrativo por interesses privados afeta a segurança jurídica, assim como o combate a práticas de corrupção, sonegação e evasão fiscais, crimes na seara aduaneira, lavagem de dinheiro, fluxos financeiros ilícitos em geral, dentre outros delitos, de âmbito nacional e transnacional.
A relação entre o fim do voto de qualidade e o desinteresse sobre transação tributária, tornando-a inócua, também foi destacada pelos representantes da Unafisco no encontro. “Se o contribuinte tem a perspectiva de ganhar no voto de qualidade, ele não vai celebrar transação antes do final do contencioso administrativo, principalmente naquelas causas de valores mais significativos”, afirmou Mauro Silva. Os diretores da entidade salientaram, ainda, a importância de a transação ser feita pela Receita Federal.
Tanto Geraldo Alckmin quanto Márcio França mostraram-se bastante sensibilizados sobre os problemas apresentados pela entidade. Vale destacar que ambos integram o Partido Socialista Brasileiro (PSB), que ingressou, em 2020, com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N.° 6.403 no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o fim do voto de qualidade no Carf. A Unafisco atua na ação, na qualidade de amicus curiae.
Ainda no mês de novembro, Mauro Silva e Kleber Cabral voltaram a defender o retorno do voto de qualidade em outras duas reuniões com integrantes do governo de transição. Em 22/11, a reivindicação foi levada ao deputado federal Enio Verri (PT/PR), que integrava o grupo de trabalho sobre Planejamento, Orçamento e Gestão. E no dia 24/11, os representantes estiveram com Guilherme Mello, atual secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e com o senador Paulo Rocha (PT/PA).
A articulação política em prol do retorno do voto de qualidade seguiu intensa em dezembro, quando os primeiros integrantes do atual governo foram anunciados oficialmente. A Unafisco foi a primeira entidade representativa dos Auditores Fiscais a reunir-se com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo. O encontro ocorreu em 15/12, apenas dois dias após o anúncio do nome dele como ocupante do cargo.
Na oportunidade, Mauro Silva, Kleber Cabral e o secretário-geral da Unafisco, Auditor Fiscal Pedro Delarue, ressaltaram que o fim do voto de qualidade no Carf incentiva a sonegação fiscal no País e, consequentemente, prejudicava a arrecadação federal.
Articulação com o novo governo. Em acréscimo ao intenso trabalho político realizado pela Unafisco com a equipe de transição, os diretores da entidade apontaram os problemas do fim do voto de qualidade no Carf para o secretário especial da Receita Federal do Brasil (RFB), Robinson Barreirinhas.
Ainda na posse do ministro Fernando Haddad, em 2/1, quando Barreirinhas foi anunciado como ocupante do cargo na RFB, Mauro Silva e Kleber Cabral expuseram ao novo secretário a importância do retorno do voto de qualidade para diminuir a sonegação e aumentar a arrecadação de recursos.
Em 5/1, Mauro Silva e Pedro Delarue estiveram na sede da RFB reunidos com o secretário Robinson Barreirinhas, a secretária especial adjunta, Auditora Fiscal Adriana Gomes Rêgo, e com subsecretários do órgão. Na ocasião, após exporem questões relativas ao Bônus de Eficiência, os representantes da Unafisco voltaram a reivindicar o retorno do voto de qualidade em caso de empate em julgamentos realizados no Carf. Eles destacaram que a atual situação ocasiona o completo desinteresse pela transação tributária.
Os diretores da entidade também reforçaram ao secretário que a transação deve permanecer sendo feita na Receita Federal. Barreirinhas mostrou-se alinhado a esses pontos.
Luta antiga. Ressalta-se que a luta da Unafisco pelo retorno do voto de qualidade da Fazenda nos julgamentos do Carf começou tão logo o mesmo foi extinto, em abril de 2020, com a sanção da Lei 13.988/2020 pela gestão anterior do governo federal. Naquele mesmo mês, a entidade emplacou emenda à Medida Provisória (MP) 952/2020, pleiteando a revogação do artigo da referida Lei que extinguiu o voto de qualidade no Carf.
Em agosto de 2020, a Unafisco ingressou, na qualidade de amicus curiae, na ADI N.° 6.403, como citado anteriormente, e na ADI N.° 6.399, proposta pelo procurador-geral da República. Ambas encontram-se em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 2022, durante a tramitação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 17/2022 na Câmara dos Deputados, a Unafisco propôs em audiência pública e em reuniões com autor e relator da proposta a inclusão do voto de qualidade nos julgamentos do Carf e a exclusão de artigo que estende às esferas estaduais e municipais o fim do voto de qualidade da Fazenda.
Abaixo, assista ao comentário do presidente da Unafisco sobre o anúncio do ministro: