A Câmara dos Deputados aprovou na sexta-feira, 7/7, o Projeto de Lei (PL) 2.384/2023, que restabelece o voto de qualidade para o representante da Fazenda Nacional nos casos de empate em julgamentos realizados no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A matéria segue para o Senado Federal.

Ressalta-se que o voto de qualidade havia sido restabelecido em 12/1 com a publicação da Medida Provisória (MP) N.° 1.160/2023 pelo governo federal. A MP perdeu a vigência em junho deste ano sem ser votada. Diante disso, o Poder Executivo enviou o referido PL ao Congresso.

Acordo incentiva sonegação. O projeto aprovado na Câmara é um substitutivo do relator, deputado Beto Pereira (PSDB/MS). O texto incorporou parcialmente acordo realizado entre o governo federal e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre o tema, com a redução de multas e juros de mora para o pagamento de dívidas em julgamentos definidos pelo voto de qualidade no Carf.

Desta forma, as empresas derrotadas pelo voto de desempate do governo ficam isentas da multa de ofício e dos juros de mora, pagando apenas a dívida principal, se o pagamento do débito for realizado à vista em até 90 dias. Além disso, a dívida principal poderá ser dividida em até 12 parcelas. Caso o contribuinte recorra à Justiça, volta a cobrança de multa e de juros.

Para o 1º vice-presidente da Unafisco, Auditor Fiscal Kleber Cabral, o texto aprovado na Câmara torna a sonegação uma atividade de risco calculado e a inadimplência um grande negócio. “Diferentemente do texto da MP de janeiro, que restabelecia as regras vigentes até 2020, o projeto votado pelos deputados poderá criar um clima de certa normalização da sonegação e de indução da inadimplência, o que pode aumentar o sacrifício dos que já pagam corretamente seus impostos.”

Exemplificando. Supondo uma autuação de R$ 100 milhões, com multa de 75% e aguardando 10 anos julgamento final no Carf. Assim, o valor atualizado da autuação seria de R$ 332,50 milhões, considerando uma taxa Selic acumulada de aproximadamente 90% no período. A inflação pelo IPCA foi de aproximadamente 77% no mesmo período.

Antes, com o voto de qualidade, a autuação era mantida. Agora, com o novo voto de qualidade, o auto cai de R$ 332,5 milhões para R$ 100 milhões, que é apenas o valor principal. Ou seja: 30% do valor original.

Além disso, as Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP) vão para o arquivo, não chegando mais ao Ministério Público Federal. O risco de repercussão penal, que sempre foi baixa, agora irá a zero.

Mas não acabou! Esses 30% não precisam ser pagos realmente. Podem ser usados prejuízos fiscais, inclusive de outras empresas do grupo, e precatórios de terceiros.

Mas, se recorrer à Justiça, de qualquer forma, a autuação terá caído para 57% do valor. E sobre esse valor já reduzido (sem multa), pasmem, o contribuinte poderá fazer transação na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e conseguirá descontos adicionais e parcelamentos que não podem ser inferiores aos concedidos para outras hipóteses.

Transação. Na versão preliminar do parecer do relator do PL do Carf, o deputado Beto Pereira havia incluído uma emenda apresentada pela Unafisco sobre a transação.

O trecho estabelecia que a transação de créditos tributários poderia ser feita pela Receita Federal, antes da inscrição na dívida ativa e sem a necessidade do crivo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Devido a pressões políticas, o relator optou por excluir, na versão final, o artigo relacionado à transação na Receita Federal. Segundo Beto Pereira, o ministro da Fazenda, Fenando Haddad, comprometeu-se em enviar à Câmara projeto de lei específico sobre o tema.

“Com o compromisso do ministro da Fazenda de enviar para a Câmara dos Deputados um projeto de lei que versa exclusivamente sobre a transação, nós fizemos a retirada desse trecho para que houvesse um consenso entre as orientações de bancada”, disse o relator.

Apesar da retirada do referido trecho, o secretário-geral da Unafisco, Auditor Fiscal Pedro Delarue, enalteceu a iniciativa da entidade de propor emenda sobre a transação, bem como o compromisso assumido pelo ministro. “O assunto [da transação] encontrava-se adormecido de forma desfavorável à Receita Federal. Graças à inciativa da Unafisco, a questão voltou à ordem do dia. Seguiremos persistindo até que o ministro cumpra o compromisso de enviar o projeto ao Congresso.”

Conformidade. O PL aprovado na Câmara sobre o retorno do voto de qualidade no Carf também incentiva a conformidade tributária por meio de uma série de medidas que introduzem um modelo colaborativo entre o Fisco e o contribuinte.

O objetivo dessas medidas seria prevenir conflitos e diminuir os litígios entre Fisco e contribuintes. Porém, em uma primeira análise, a Unafisco entende que a introdução do modelo da conformidade com o enfraquecimento da ponta do enforcement, com a alteração do que é dolo e fraude, redução da multa máxima para 100% e os efeitos do voto de qualidade (zera multas e arquivamento de RFFP), a conformidade tende a não produzir os efeitos desejados porque a percepção de risco, em tese, vai cair.

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