Até o final de 2023, o governo federal deixará de arrecadar R$ 440,5 bilhões com a concessão de privilégios tributários. O montante é resultado da soma de todos os benefícios e incentivos tributários concedidos pela União a setores ou parcelas específicas de contribuintes, sem que haja qualquer retorno para o desenvolvimento socioeconômico do País. É o que mostra a Nota Técnica N.° 27 elaborada pela Unafisco Nacional com o título De gastos tributários à concretização dos privilégios tributários: Privilegiômetro Tributário de 2023.

O estudo atualiza a Nota Técnica N.° 24 e o Privilegiômetro Tributário, ferramenta on-line criada pela Unafisco que aponta o valor, no dia da consulta, que o governo federal deixou de arrecadar no respectivo ano, em razão da concessão de benesses tributárias a um grupo de contribuintes.

Ressalta-se que tais renúncias fiscais são concedidas sem que exista contrapartida adequada, notória ou comprovada por estudos técnicos, para o desenvolvimento econômico sustentável sem aumento da concentração de renda ou redução das desigualdades no País.

Aumento dos privilégios. A Nota Técnica N.° 27 apresenta, ainda, comparativo do montante de privilégios tributários concedidos pela União, em 2023, com os três anos anteriores em que o estudo foi feito. O valor deste ano é R$ 116 bilhões maior em relação a 2020, o que significa que, mesmo durante uma forte crise econômica, os privilégios tributários só aumentaram.

Top 5. De acordo com o levantamento da Unafisco, os cinco maiores privilégios tributários somam, aproximadamente, R$ 264 bilhões, o que corresponde a 60% do total. Nessa lista, a primeira posição é ocupada pela isenção da cobrança de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos por pessoa jurídica (R$ 74,6 bilhões). Destaca-se que, entre os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas Letônia e Estônia isentam dividendos.

Na segunda posição, está o Imposto sobre Grandes Fortunas (R$ 73,4 bilhões). Apesar de a Constituição Federal de 1988 prever a criação deste imposto, uma lei complementar necessária para torná-lo realidade nunca avançou no Congresso. “A omissão legislativa constitui como verdadeiro privilégio tributário, visto que se trata de opção do Congresso Nacional que protege a camada mais abastada de brasileiros, em detrimento da classe média e pobre que arca com a maior parte da onerosidade tributária”, pontua a Nota.

Integram ainda a lista a renúncia fiscal da Zona Franca de Manaus (R$ 54,6 bilhões), considerando que muitas empresas não contemplam a sociedade com a devida contrapartida; programas de parcelamentos especiais (R$ 37,3 bilhões); e desoneração da cesta básica (R$ 24,6 bilhões). Nesse último caso, o valor do privilégio tributário refere-se apenas à desoneração de produtos consumidos por pessoas não assistidas por programas sociais.

Casos curiosos. O Privilegiômetro Tributário traz também exemplos de isenções tributárias injustificáveis, que ocorrem em setores que pouca gente imagina.

A não incidência da contribuição social sobre receitas de exportações do setor rural, por exemplo, representa renúncia de R$ 10 bilhões. O benefício atinge poucos acionistas de um setor altamente lucrativo. Portanto, não há necessidade de um setor exportador rural ser beneficiado com o sacrifício de toda a sociedade.

Já as isenções concedidas à indústria automobilística, por meio de programas de incentivo, como o Rota 2030, somam R$ 9,9 bilhões. O benefício fiscal não tem qualquer compromisso com a geração de empregos.

Outro caso curioso e injustificável é a isenção de impostos, como IPI, Pis/Pasep e Cofins, sobre partes, peças e componentes destinados ao reparo, revisão e manutenção de embarcações e aeronaves. A renúncia fiscal é de R$ 5,1 bilhões.

Por fim, o Privilegiômetro apresenta a renúncia de R$ 663,9 milhões referente à compensação fiscal autorizada para emissoras de rádio e televisão em razão da divulgação gratuita da propaganda partidária e eleitoral. Se rádio e televisão são concessões públicas, por que devem ser ressarcidas?

Gastos Tributários vs. Privilégios Tributários. O Privilegiômetro Tributário da Unafisco Nacional tem como fonte primária os dados divulgados anualmente no Demonstrativo dos Gastos Tributários (DGT), elaborado pela Receita Federal, e que acompanha o Projeto de Lei Orçamentária Anual. Tal dispositivo está previsto no artigo 165, parágrafo 6º, da Constituição Federal, cujo texto determina que o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

Conforme esclarece a Nota Técnica, o DGT não traz informações acerca da totalidade dos gastos tributários. Os dois maiores privilégios tributários citados anteriormente, por exemplo, não constam no DGT.

A Unafisco propõe, então, ao apresentar o Privilegiômetro, uma discussão acerca dos gastos tributários que se constituem como meros privilégios a determinados contribuintes, sem uma contrapartida para o interesse público.

Gastos Tributários. Em 2023, a soma de todos os gastos tributários chegará a R$ 641,5 bilhões, de acordo com a previsão constitucional e incluindo as omissões no DGT da Receita Federal.  Desse montante, considera-se que R$ 440,5 bilhões são fruto de privilégios, já que R$ 201 bilhões se referem a benefícios fiscais concedidos pelo governo federal com notória contrapartida socioeconômica para o País.

Nem tudo é privilégio. O levantamento da Unafisco aponta os gastos tributários que possuem contrapartidas socioeconômicas notoriamente comprovadas para a sociedade brasileira. Entre eles, estão investimentos em educação, as deduções com saúde permitidas no Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF); isenções de alguns impostos para instituições privadas de ensino superior que aderirem ao Prouni, bem como de tributos para importação de equipamentos destinados às pesquisas autorizadas pelo CNPq.

Alguns gastos tributários são considerados parcialmente privilégios. O Simples Nacional, por exemplo, beneficia empresas com receita bruta de até R$ 4,8 milhões por ano, valor considerado alto para concessão de benefícios tributários. O estudo indica como privilégio apenas a renúncia concedida a pessoas jurídicas com receita bruta anual acima de R$ 1,8 milhão. Cabe ressaltar que o estudo da Unafisco demonstra que as empresas com renda bruta anual de até R$ 1,8 milhão são responsáveis pela contratação de 75,49% dos empregados das empresas do Simples Nacional.

Da mesma forma, a desoneração da cesta básica e de medicamentos só é considerada privilégio tributário quando usufruída por pessoas que não são assistidas por programas sociais.

Reforma necessária. Ao dar transparência aos privilégios tributários, a Unafisco contribui para o debate público em torno da necessária reforma do Sistema Tributário Nacional.

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Manchete principal do UOL: Segundo Unafisco, governo abrirá mão de R$ 641 bi em impostos no ano

Folha de S.Paulo: Governo deixa de arrecadar R$ 641,5 bi em 2023 com privilégios e desonerações, diz Unafisco  

Unafisco no Estadão: Governo deve abrir mão de arrecadar R$ 74,6 bi com isenção tributária dos lucros e dividendos por PJ

Senado Notícias: Para Unafisco gastos tributários aumentam 22% em 2023, destaca senador Kajuru

Carta Capital: Governo deve deixar de arrecadar R$ 440,5 bi com ‘privilégios tributários’ em 2023, diz Unafisco

Agência Brasil: Dados da Unafisco apontam que governo deve deixar de arrecadar R$ 440,5 bi por causa dos privilégios tributários