Dando sequência à série de lives intitulada O Brasil e a Tributação: Propostas dos Presidenciáveis, participaram em 13/9 o economista Guilherme Mello e o ex-deputado federal Vicente Cândido. Eles integram a equipe de campanha do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (coligação PT / PC do B / PV / Solidariedade / Psol / Rede / PSB / Agir/ Avante / PROS). A mediação foi realizada pelo presidente da Unafisco Nacional, Auditor Fiscal Mauro Silva. O evento foi transmitido ao vivo pelos canais da entidade no Facebook e YouTube.
O economista Guilherme afirmou que um dos temas centrais para o País é o da tributação. “A estrutura tributária do Brasil, que tira a competitividade das nossas empresas, também tira dinheiro dos mais pobres, porque ela é uma estrutura regressiva.” Diante disso, qual seria a perspectiva de Reforma Tributária nas diretrizes programáticas da candidatura Lula/Alckmin? “É uma proposta muito inspirada no que ficou conhecido como Reforma Tributária Justa, Solidária e Sustentável. Foi apresentada pelo conjunto dos partidos de oposição, por volta de 2020, salvo engano, com o apoio do conjunto de todos os governadores do consórcio Nordeste. Essa proposta prevê mudança na estrutura e composição da tributação no Brasil.”
Unificação de tributos. Hoje, no Congresso Nacional, tramita a PEC 110/19 que prevê a unificação de tributos sobre o consumo, substituindo um conjunto de impostos por um só, um IVA. “Falamos sobre mudança na composição da estrutura tributária e não de um imposto pontual. Quase metade da tributação no Brasil, são tributos sobre o consumo. E uma parte menor é tributação sobre renda e patrimônio.” Segundo ele, é preciso inverter isso. É preciso aumentar a participação da tributação sobre a renda e reduzir a participação da tributação sobre o consumo. “Só dessa forma será possível alterar o sistema tributário brasileiro.”
E como ocorreria a referida alteração no sistema tributário? Reduzindo a tributação sobre o consumo, diz o economista. Nesse sentido, o desafio seria alterar o conjunto de tributos sobre o consumo. No caso brasileiro, este conjunto tem uma característica bem peculiar em tributos distintos. Há uma divisão federativa, composta por três partes, a saber: do Estado, do município e do governo federal. O ideal, segundo ele, seria unificar todos os impostos correspondentes a cada parte em um IVA, podendo ser um IVA único, ou um IVA dual (Federal e outro Estadual/municipal).
Considerando que a metade da tributação é sobre o consumo, teríamos no Brasil a maior alíquota do mundo de um IVA, diz Guilherme. Além disso, setores de serviços, por exemplo, teriam uma tributação muito maior do que a tributação atual. Ao lado dessas dificuldades setoriais e federativas, ainda há as dificuldades políticas, a fim de implementar o IVA. De acordo com Guilherme, a PEC 110 já avança nessas questões, o que não elimina um necessário processo de negociação, de sensibilizar os parlamentares para as questões em tela.
Guilherme ainda destacou a importância de a tabela do Imposto sobre a Renda ser progressiva. Também ressaltou que o Brasil não tributa a distribuição de lucros e dividendos. “É o único país da OCDE que não tributa distribuição de lucros e dividendos, o que tem consequências enormes, porque a renda das pessoas mais ricas geralmente advém desses lucros e dividendos.”
Privilégios tributários para empresas de determinados segmentos, ao lado da não tributação dos lucros e dividendos, faz que aqueles que ganham 50, 60, 100 salários mínimos paguem cada vez mais uma alíquota efetiva menor.
A proposta de campanha é abrir uma discussão conjunta de um processo de simplificação da tributação indireta, que garantiria ganhos e competividade, levando em consideração a estrutura produtiva, federativa. Seria viabilizar “uma reforma da tributação sobre a renda que tribute as rendas mais altas, para colocar os ricos no imposto sobre a renda, como diz Lula. Também uma estrutura tributária que contribua para o processo de transição ecológica e energética [seriam os chamados “tributos verdes”, por exemplo os carros elétricos de entrada seriam menos tributados do que os carros de entrada à combustão].”
Caminho mais curto. Normalmente surge uma confusão quando se pensa em reforma tributária. De imediato, pensa-se em obter as alterações necessárias mudando o texto constitucional (por PEC). Ledo engano. O presidente da Unafisco Nacional, Auditor Fiscal Mauro Silva, aponta para um caminho mais curto a fim de viabilizar uma reforma tributária. Ele explica que a PEC 110, citada por Guilherme como a mais adiantada, foca principalmente nos impostos sobre o consumo, o que exige um esforço político descomunal no decurso da tramitação. Só que a reforma não se limita ao âmago da PEC 110. Há a questão do Imposto sobre a Renda e de outros tributos que não envolvem esse imenso esforço atinente à aprovação de uma proposta de emenda constitucional. “A reforma do IR pode ser feita, em grande medida, por leis ordinárias”, explica Mauro Silva. “O IR, seja o reajuste da tabela, seja [a questão da tributação dos lucros e] dividendos, seja a questão dos fundos multimilionários que não pagam impostos, todos esses ajustes podem ser feitos por leis ordinárias”, ao contrário de uma PEC.
Quem paga imposto sobre a renda no Brasil é a “classe média quase pobre”, o assalariado CLT e o servidor público, todos debaixo do peso da tabela de IR congelada em 145,7%. Sem a devida correção da tabela, o governo arrecadará no próximo ano, conforme projeção da Unafisco Nacional, R$ 323 milhões, sendo R$ 227 milhões, por conseguinte, indevidamente. Guilherme concorda que é preciso retomar a correção da tabela do imposto sobre a renda. Ele disse ainda ser necessário aumentar a faixa de isenção da referida tabela.
O presidente Mauro Silva disse para Vicente que, momentos antes falara com Guilherme sobre reformar, tratar dos dividendos, melhorar a tributação da renda e, ao mesmo tempo, tirar a carga tributária do trabalhador. Foi nesse contexto que Mauro perguntou a Vicente: nos governos Lula e Dilma tais mudanças poderiam ter sido feitas e não ocorreram. “Em que medida isso agora ia dar certo?”
Em sua resposta, Vicente reconheceu que “a gente deveria ter insistido um pouco mais. Todo ano deveríamos ter mantido na pauta um projeto de reforma tributária. Acho que nós falhamos aí.” Vicente afirmou ainda que, se dependesse do ex-presidente Lula, no segundo mandato teria havido a reforma tributária.
Privilégios tributários. Outro tema ventilado na ocasião abordou os privilégios tributários. Mauro disse que, segundo estudo da Unafisco Nacional, o País concederá, somente neste ano, 367 bilhões em privilégios tributários. “Como o governo Lula enfrentará essa questão?”
“Quando você dá um benefício aqui no Brasil fica tudo direito adquirido, não é fácil fazer essa regressão agora, mas vai ter que fazer. Acho que perante a Reforma Tributária e eu espero que os empresários não sejam tão retrógrados, como às vezes são, por não querer tributar dividendos, preferem ficar com alíquotas mais altas no Pessoa Jurídica do que pagar sobre os dividendos.”
O presidente Mauro compartilhou que a ênfase de levantar os privilégios tributários é ver se realmente há qualquer retorno em desenvolvimento econômico, como geração de emprego e renda para a sociedade. Nas justificativas do programa Rota 2030, destinado à cadeia automotiva, Mauro Silva diz que a palavra “emprego” não é encontrada nenhuma vez sequer, o que parece sinalizar uma rota equivocada, se entre os objetivos desse programa federal está a diminuição das desigualdades no País.
Fisco e Contribuinte. Outro ponto apresentado pelo presidente Mauro foi que, com o passar dos anos, houve a criação de uma imagem de oposição entre Fisco e contribuinte. Em linhas gerais, tal situação acaba contribuindo para o surgimento do Projeto de Lei Complementar (PLP) 17/2022, o qual nasce como código de defesa do contribuinte, mas ganha alcunha de código de defesa do sonegador, pois ainda possui questões a serem enfrentadas. O art. 51, § 1º do referido PLP diz que “em caso de empate no julgamento de processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, a questão resolve-se favoravelmente ao contribuinte”, o que termina com o voto de qualidade (quando o representante do Fisco vota em caso de empate).
Segundo Mauro, se de um lado é preciso reconhecer que o Fisco precisa separar o bom contribuinte daquele que pretende sonegar, por outro lado não podemos entregar o contencioso administrativo na mão de interesses setoriais. Vicente disse que há um trilhão de reais “engasgado” no Carf. Com a retirada do voto de qualidade, vai ficar muito pior (…). Eu defendo dar condições para a máquina cobrar.”
Outro tema abordado foi Aduana. Na oportunidade, Mauro Silva apresentou aos convidados o site https://contrabandometro.org.br/, que valoriza Auditores Fiscais da Receita e o órgão. Um dos levantamentos da Unafisco aponta que a quantidade de mercadorias ilícitas e lícitas apreendidas pela Receita Federal somará, até o fim deste ano, R$ 31,4 bilhões. No entanto, em vez de ser valorizada, o que ocorre são cortes no orçamento da Receita e, por conseguinte, o desmonte de atividades essenciais para combater o contrabando e o descaminho, para evitar a entrada de armas e drogas no País. Guilherme disse que temos que valorizar os servidores públicos. Ele afirma que “o problema é de projeto e intenção (…). Nós temos claramente que pensar em contratação de pessoal, treinamento, qualificação, investimentos em equipamentos, em inteligência (…). O potencial de retorno econômico e social desse investimento é muito alto.” Por sua vez, Vicente falou que “nós temos que trabalhar com carinho, respeito e com a importância que tem um órgão desse; [o Auditor Fiscal da Receita] não pode trabalhar desmotivado, tem que ganhar bem, tem que ter todo o apoio (…).”
Abaixo, assista à live na íntegra.