A Unafisco Nacional enviou, em 6/12, denúncia à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) e à Organização das Nações Unidas (ONU), mais precisamente a seu Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional em Matéria Tributária, contendo as preocupações da entidade frente a significativos e contínuos movimentos de estrangulamento da Receita Federal do Brasil (RFB). Cumpre destacar que a OCDE reúne 38 países-membros e avalia o processo de inclusão do Brasil no grupo (clique para ler as versões em português e inglês).

Autoridades destinatárias da denúncia. Para a OCDE, o documento foi enviado ao secretário-geral Juan Yermo; ao diretor da Fiscalização e Administração Tributária, Pascal Saint-Amans; e ao diretor de Relações Internacionais Andreas Schaal. Para o Gafi, a denúncia foi enviada ao secretário-executivo Vincent Schmoll. Já para a ONU, os destinatários foram a secretária do Conselho Econômico e Social (Ecosoc), Emer Herity; o diretor do Desenvolvimento Tributário Internacional, Navid Hanif; além de todos os membros do Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional em Matéria Tributária.

Principais pontos. Na denúncia, a Unafisco aponta, entre outros pontos críticos, a drástica redução dos orçamentos da Receita Federal e do seu quadro funcional nos últimos anos, fim do voto de qualidade no Carf, declarações infundadas do governo sobre atuação da RFB, sucateamento dos postos de fronteira, além do esvaziamento de áreas e procedimentos direcionados ao combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, o que coloca o País em risco de se tornar um hub global de atividades criminosas.

Orçamento. Sobre o orçamento da Receita Federal, o documento mostra que o valor de 2022 corresponde, em relação à média dos dez anos anteriores, corrigida pela inflação, a um corte de 62% (R$ 1,712 bi sobre R$ 4,499 bi).  Esse movimento antagoniza com o entendimento internacional consolidado de que investir nas administrações tributárias e aduaneiras é imperativo — não apenas para gerar resultados arrecadatórios, mas para sufocar condutas ilícitas.

Quadro funcional. Em relação à redução do quadro funcional, a denúncia cita que o último concurso público ocorreu em 2014, havendo uma redução nesse período de mais de 30% do quadro de Auditores Fiscais, com expectativa de perda adicional de mais 30% nos próximos cinco anos, em razão das aposentadorias e da falta de recomposição do quadro. A situação nas fronteiras é ainda mais dramática, com um quadro de menos de 50% do efetivo de dez anos atrás, que já era quantidade insuficiente.

Consta no documento que “a fragilização do maior órgão fiscalizatório da Federação, responsável por 2/3 da arrecadação nacional, tende a estimular, como mencionado, o avolumamento e a propagação de condutas ilícitas e atividades criminosas, pondo em risco a segurança nacional e a estabilidade do Estado: descontrole do território e das fronteiras; vácuos de presença do Estado; tráfico de pessoas, armas, drogas, metais preciosos, materiais restritos, espécies protegidas etc; e, em última análise, financiamento do terrorismo e de organizações criminosas. O panorama é tão sombrio que, de maneira otimista, o país se tornará grande ponto de passagem das cadeias criminosas globais; de forma pessimista por que não, realista , hub global de práticas ilícitas.

Para o presidente da Unafisco, Auditor Fiscal Mauro Silva, signatário da denúncia, tal desmonte atrapalha as pretensões do Brasil de ser aceito pela organização como país-membro. “A OCDE tem o compromisso de combater a sonegação, o terrorismo e transações ilícitas internacionais. Mas, na medida em que enfraquece a Receita Federal com o corte orçamentário, o Brasil enfraquece o combate a tudo isso.”

Esaf. A entidade alerta ainda para a extinção, em 2019, da Escola de Administração Fazendária (Esaf). Durante 40 anos, a instituição permitiu à Receita Federal a constante atualização e disseminação do conhecimento para todo seu quadro funcional, por meio dos centros de treinamento espalhados pelo País. A Unafisco afirma que, por meio da Esaf, a RFB poderia assumir postura de liderança nas grandes discussões e deliberações em matéria fiscal e tributária pelo mundo, marcadamente na cooperação Sul-Sul, cada vez mais defendida nos debates internacionais.

Carf. O fim do voto de qualidade para a Fazenda Pública em caso de empate nos julgamentos realizados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) também foi apontado, pela Unafisco, como extremamente problemático. A entidade classifica que tal modelo, implementado em 2020, representa ameaça sistêmica e retrocesso à harmonização com os padrões internacionais. “São muito presentes os riscos de tomada do órgão administrativo por interesses privados (…) afetando a segurança jurídica, assim como o combate a práticas de corrupção, sonegação e evasão fiscais, crimes na seara aduaneira, lavagem de dinheiro, fluxos financeiros ilícitos em geral, dentre outros delitos, de âmbito nacional e transnacional.

Declarações infundadas. Na denúncia, a Unafisco menciona também declarações infundadas dadas pelo atual governo federal, ao sugerir aumento da eficiência da Receita Federal, mesmo com a redução orçamentária e do quadro funcional.

A título de exemplo, a entidade demonstra que os sucessivos recordes na arrecadação federal são fruto do aumento dos preços de bens, serviços e mercadorias. Além disso, outros efeitos inflacionários, como a não correção da tabela do Imposto sobre a Renda, têm gerado aumento de arrecadação.

Por fim, a Unafisco convida às organizações destinatárias da denúncia a expandir e a explorar os temas e problemáticas apontados pela entidade, com o objetivo de assistir à República Federativa do Brasil no cumprimento dos compromissos internacionais a que se submeteu. Da mesma forma, a entidade espera que os apontamentos sirvam de referência a atores que porventura venham a passar pelas mesmas provações, num esforço global de combater todos os centros e ramos de atividades criminosas, geradores de crimes como corrupção, sonegação e evasão fiscais, lavagem de dinheiro e demais fluxos financeiros ilícitos, bem como financiamento de organizações criminosas e do terrorismo.

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