A Unafisco Nacional reuniu-se, em 18/11, com o vice-presidente da República eleito e coordenador da equipe de transição, Geraldo Alckmin, e com o ex-governador de São Paulo, Márcio França, que também integra o grupo. Pela entidade, participaram os Auditores Fiscais Mauro Silva (presidente) e Kleber Cabral (1° vice-presidente). Em mais de uma hora de reunião, foram discutidas a necessidade de uma reconstrução tributária no País, a denúncia que a Unafisco fará à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre o desmonte da Receita Federal, Carf, Bônus de Eficiência, Teto de Gastos e Esaf, entre outros pontos. O encontro ocorreu em São Paulo/SP.
No início da reunião, os representantes da Unafisco apresentaram cinco pontos que precisam ser enfrentados concomitantemente pelo próximo governo com vistas à reconstrução tributária no Brasil. São estes:
1) Reforma Tributária. Enfatizaram-se os impostos sobre consumo, a partir da convergência entre as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 110/2019 e 45/2019. Em linhas gerais, ambas propõem alterações no Sistema Tributário Nacional, por meio da simplificação e racionalização da tributação sobre a produção e a comercialização de bens e a prestação de serviços. A PEC 110 tramita no Senado Federal e a PEC 45 na Câmara dos Deputados;
2) Tributação sobre a renda da distribuição dos lucros e dividendos. A isenção ocorre desde 1995, sendo um claro exemplo de anomalia fiscal, que precisa ser tratada. Sobre esse ponto, Unafisco Nacional tem muito a contribuir, com estudos técnicos que demonstram os efeitos positivos para a economia e para a justiça fiscal advindos de um equilíbrio entre a tributação sobre as pessoas jurídicas e físicas;
3) Correção da Tabela do Imposto sobre a Renda (IR). Os representantes da Unafisco apresentaram cálculos feitos pela entidade que apontam defasagem de 144,12% nas faixas de renda sobre as quais incidem as alíquotas de IR. Se a tabela fosse atualizada integralmente, estariam isentos aqueles que ganham até R$ 4.647,96 por mês. Atualmente, a faixa de isenção beneficia somente aqueles com renda mensal de até R$ 1.903,98. Sobre este ponto, foram debatidas tanto a correção integral da tabela, de uma única vez, quanto a criação de um plano que programe a atualização ao longo do mandato;
4) Enxugamento dos Privilégios Tributários. A Unafisco vem contribuindo sobre o tema com a elaboração de estudos técnicos. O mais recente deles é a Nota Técnica (NT) Nº 24, que deu origem à atualização do Privilegiômetro Tributário. Os representantes da entidade demonstraram que, até o fim de 2022, a União deixará de arrecadar R$ 367 bilhões com a concessão de benefícios e incentivos tributários a setores ou parcelas específicas de contribuintes, sem qualquer retorno para o desenvolvimento socioeconômico do País;
5) Reconstrução da Administração Tributária. Os representantes da Unafisco demonstraram a necessidade da refundação, modernização, motivação e valorização da Administração Tributária. Neste contexto, foi mencionada, entre outros pontos, a importância do retorno do funcionamento da Escola de Administração Fazendária (Esaf). A instituição permitia à Receita Federal a constante atualização e disseminação do conhecimento para todo seu quadro funcional, por meio dos centros de treinamento espalhados pelo País.
Para cada ponto exposto pelos representantes da Unafisco, o vice-presidente eleito fez diversas anotações, interveio algumas vezes e manifestou considerar urgente uma Reforma Tributária que simplifique a vida do contribuinte.
Denúncia à OCDE. Na sequência da reunião, os Auditores Fiscais Mauro Silva e Kleber Cabral apresentaram em primeira mão a Geraldo Alckmin a denúncia que a Unafisco enviará, nesta semana, à OCDE a respeito do desmonte que a Receita Federal vem sofrendo ao longo dos últimos anos. No documento, a entidade demonstra o corte brutal no orçamento do órgão; a diminuição do investimento; a drástica redução do quadro funcional, agravada pela falta de concurso público; e o sucateamento dos postos de fronteira. Além da OCDE, a denúncia será encaminhada ainda para o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) e ao Comitê Tributário da Organização das Nações Unidas (ONU).
Orçamento da Receita. Sobre o orçamento da Receita Federal, o documento afirma que o valor de 2022 corresponde, em relação à média dos dez anos anteriores, corrigida pela inflação, a um corte de 68% (R$ 1,712 bi sobre R$ 5,376 bi). Esse movimento antagoniza com o entendimento internacional consolidado de que investir nas administrações tributárias e aduaneiras é imperativo – não apenas para gerar resultados arrecadatórios, mas para sufocar condutas ilícitas.
Em relação à redução do quadro funcional, a denúncia cita que o último concurso público se deu em 2014, havendo uma redução nesse período de mais de 30% do quadro de Auditores Fiscais, com expectativa de perda adicional de mais 30% nos próximos cinco anos, em razão das aposentadorias e da falta de recomposição do quadro. A situação nas fronteiras é ainda mais dramática, com um quadro de menos de 50% do efetivo de dez anos atrás, que já era quantidade insuficiente.
“Tal desmonte atrapalha as pretensões do Brasil de ser aceito pela organização como país-membro. A OCDE tem o compromisso de combater a sonegação, o terrorismo e transações ilícitas internacionais. Mas, na medida em que enfraquece a Receita Federal com o corte orçamentário, o Brasil enfraquece o combate a tudo isso”, disse o presidente da Unafisco, Mauro Silva.
O vice-presidente Kleber Cabral ressaltou a importância da Receita Federal para o País. Ele destacou que o órgão é responsável por dois terços de toda arrecadação nacional, parte dela repartida com Estados e municípios por meio dos Fundos de Participação (FPE e FPM). Mencionou também que compete à Receita Federal o controle aduaneiro do comércio exterior do País, em todos os portos, aeroportos e pontos de fronteira do país. Kleber Cabral lembrou ainda que cabe ao órgão toda arrecadação e fiscalização das contribuições para a Seguridade Social: previdência, saúde e assistência social.
Fim do voto de qualidade e PLP 17. Em seguida, os representantes da Unafisco expuseram ao vice-presidente eleito os problemas ocasionados pelo fim de voto de qualidade da Fazenda, em caso de empate no julgamento de processo administrativo tributário no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Eles acrescentaram que, se não bastasse o fim do voto de qualidade nos julgamentos de casos tributários na esfera administrativa federal, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 17/2022, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados, estende o modelo às esferas estaduais e municipais.
Mauro Silva e Kleber Cabral disseram a Geraldo Alckmin que tal extinção representa ameaça sistêmica e retrocesso à harmonização com os padrões internacionais. Na denúncia à OCDE, a entidade afirma que estão muito presentes os riscos de tomada do órgão administrativo por interesses privados, gerando modificação de entendimentos e advento de novos julgamentos e reinterpretações de temáticas tributárias, o que acaba por afetar a segurança jurídica, assim como o combate a práticas de corrupção, sonegação e evasão fiscais, crimes na seara aduaneira, lavagem de dinheiro, fluxos financeiros ilícitos em geral, entre outros delitos, de âmbito nacional e transnacional.
Ainda sobre o Carf, os representantes da Unafisco afirmaram que o fim do voto de qualidade contribui para que o estoque recorde no Carf continue crescendo. Há um estímulo ao contencioso, na expectativa de saírem vencedores nos julgamentos realizados pelo órgão. Tanto Geraldo Alckmin quanto Márcio França mostraram-se bastante sensibilizados sobre essa questão. Ambos integram o Partido Socialista Brasileiro (PSB), que ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.403 no Supremo Tribunal Federal contra o fim do voto de qualidade no Carf.
Bônus de Eficiência. Em outro momento da reunião, os integrantes da equipe de transição indagaram aos representantes da Unafisco se os Auditores Fiscais recebem alguma parcela remuneratória vinculada à produtividade. Mauro Silva e Kleber Cabral explicaram que está previsto pela Lei 13.464/2017 o chamado Bônus de Eficiência, mas até hoje é pago em valor fixo por falta de uma regulamentação por Decreto.
Teto de Gastos. Por fim, os representantes da Unafisco expuseram que a limitação das despesas do governo federal acabou levando o olhar do ajuste fiscal exclusivamente para o lado das despesas, gerando um desestímulo para melhorar a eficiência arrecadatória, já que o valor arrecadado não pode ser gasto, senão para o pagamento da dívida pública. Os integrantes da equipe de transição concordaram com a posição da Unafisco e demonstraram desejo pela revisão desta regra.
O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin sinalizou que é preciso melhorar a eficiência da administração tributária para, ao cobrar de quem não está pagando, também reduzir a carga tributária de setores que estão pagando muito imposto. E, por fim, enfatizou o papel dos auditores fiscais no combate à concorrência desleal entre os que pagam e os que não pagam os impostos devidos.
A Unafisco Nacional, mais uma vez, sai em defesa da Classe e do órgão, sobretudo neste momento político de transição, de novo governo. Abrir canais, estabelecendo o diálogo contínuo e permanente com os representantes eleitos, a fim de valorizarmos ao máximo os Auditores Fiscais e a Receita Federal, é uma das atuações mais valiosas da entidade.